Senti um medo absurdo, para todos os lados em que olhava, gritos e correria na cidade em que nasci. Só encontrava o pavor, pessoas inocentes eram arrancadas de casa e jogadas na mão daqueles homens nervosos. Eram torturadas e sem nenhuma perspectiva de futuro, esperavam apenas que a morte as levasse...
Eu não queria sentir a mesma dor, invadiram minha casa, levaram minha família, destruíram minhas roupas, mas não me encontraram. Durante muito tempo minha “covardia” me assolou, deixei que os levassem, imaginei o olhar de desespero em seus olhos.
Lembro de ter tapado os lábios de um bebê, nem sei por quanto tempo ficamos escondidos, sem alimentação, desidratados... Uma eternidade.
Me movi com todo cuidado para não fazer barulho, cheguei à cozinha deserta, ainda tinham restos largados por todo lado, não havia tempo para limpar nada, precisava me esconder e alimentar o bebê, eu já havia perdido tudo, para onde levaram meus pais? Será que os veria novamente?
Peguei um pão, voltei para meu esconderijo, alimentei o bebê, peguei-o nos braços e nos aconchegamos um no outro. Ouvi novas batidas na porta, eles voltaram... Nossa hora chegou. Eram mais invasores, fiz o máximo de silêncio, nem respirávamos tudo para que não nos ouvissem, dessa vez não eram muitos, o que não diminuiu nosso medo.
Os passos avançavam lentamente pela escadaria, abriam e fechavam as portas brutalmente, me senti perdida, certamente nos encontrariam e eu nada poderia fazer para proteger o bebê, as lágrimas deslizavam livres pelo meu rosto e nada mais faria sentido.
Sai do guarda-roupas, deixei o bebe e me encolhi num canto e pensei: “Que me levem... Deus vai cuidar deste neném, pois seu filho Jesus era o protetor de todos os inocentes”.
A porta foi violentamente aberta... Um homem alto entrou. Tinha um rosto frio... Mas não era como os outros soldados... Tinha um ar imponente e pelos broches percebi ser alguém importante.
Os olhos que me fitaram não eram os mesmos que levaram meus pais, neles senti uma mistura de orgulho e bondade, alemães não tinham bondade dentro de si. Levaram meus pais, usurparam minha casa, eu era uma prisioneira dentro de algo que um dia fora meu lar.
Ele veio em minha direção, eu estava apavorada, sua mão... Rezei minha alma, pois minha hora havia chegado. Mas não. Ele tocou meu ombro e falou algo. Quase não entendi, pois tinha um sotaque acentuado. Mas diferente de todos os alemães que vi, este tinha algo diferente no olhar.
Por alguns segundos olhei e nunca esquecerei aquele olhar. Não consigo tirar da minha memória quando ele me deu um chocolate. Estava ainda nervosa e ele não parava de me olhar. Estava hipnotizada.
Som de mais passos e gritos pela casa vazia. Não sabia no que pensar... Ele era o inimigo... Eles sequestraram minha cidade e levaram minha família. Mas aquele homem não era igual, ele me passou segurança. Num ato desesperado me joguei aos seus pés e pedi que não deixasse que me levassem.
Neste momento ele tocou minha boca. Nunca nenhum homem havia feito aquilo. Atordoada e sem entender o que ele falava apenas obedeci o gesto que ele fez. Obedeci, pois meu instinto sabia que era algo bom.
Quando ele virou-se para trás e desceu as escadas com habilidade, eu rezei para que não fosse a última vez que eu o veria. Só lembro de ouvir ele repetir severamente: - Ninguém! Ninguém aqui! Levaram todos!
Respirei fundo. Confusa, apavorada, amedrontada. Em poucos minutos ouvi passos lentos e largos em direção ao esconderijo, enrijeci! Foi quando o vi prostrado em minha frente novamente. Seus olhos continuavam confusos, suas mãos tocaram minha face ainda molhada, meus batimentos aos poucos normalizavam, até hoje não sei como pude entender o seu idioma. Lembro-me que ele disse: “Não tenha medo de mim pequena”. Foi tudo o que eu entendi aquele alemão falar: “Não tenha medo de mim pequena!”